O irlandês George Bernard Shaw (1856-1950) é considerado um dos grandes escritores da língua inglesa e sua obra lhe valeu o Premio Nobel de Literatura, em 1925. Shaw tornou-se conhecido principalmente pelo humor e ironia de suas peças de teatro e pelos ensaios que, publicados em artigos, livros e em longos prefácios às suas peças, defendiam posições políticas, filosóficas e científicas polêmicas. Por exemplo, ele era um antidarwinista convicto e um socialista antimarxista.
Em um de seus famosos prefácios, à peça “Back to Methuselah” (“De volta a Matusalem”) de 1921, Shaw fala um pouco sobre educação e apresenta o conceito de “educação homeopática”, que irá nos interessar aqui. Poderiamos, para chamar a atenção, falar em “Pinóquio na sala de aula”, como logo deve ficar claro:
Shaw usa uma metáfora para introduzir a idéia de uma educação diferente:
“Diz-se que se você lavar um gato ele jamais voltará a lavar-se sozinho. Isto pode ou não pode ser verdade: o que é certo é que se você ensinar alguma coisa a um homem ele jamais a aprenderá”.
“Se você ensinar alguma coisa a um homem ele jamais a aprenderá” pode parecer uma afirmação radical, mas não quando vista em relação à rigorosa e doutrinária escola inglesa do começo do século. Para Shaw, a educação tradicional inglesa era “alopática”:
“As doses de falsa doutrina administradas nas escolas públicas e universidades são tão grandes que elas sobrepujam a resistência que uma pequena dose provocaria.”
Os educadores deveriam inspirar-se não na medicina alopática, mas sim nos médicos que praticam a homeopatia:
“(Eles) dão a você uma dose infinitamente atenuada. Se eles dessem o vírus com força total ele iria sobrepujar a sua resistência e produzir efeitos diretos”.
Podemos perceber que o conceito, tal como Shaw o explica, é exatamente o mesmo princípio que está por trás das vacinas, que inoculam doses mínimas da “doença”, levando o organismo a desenvolver mecanismos de imunização específicos para o vírus inoculado.
Se um dos grandes males do mundo é o ensino doutrinário então, segundo Shaw, é preciso inoculá-lo em doses mínimas, para que os alunos desenvolvam defesas contra a doutrinação. Na “educação homeopática” os professores fariam coisas como “contar mentiras sobre a história, com o objetivo de serem contestados, insultados e refutados”. Para ele, isso “certamente causaria menos dano que os nossos atuais educadores alopatas.”
A idéia é interessante: professoras e professores que contam pequenas mentiras cuidadosamente selecionadas, que preparam suas classes não apenas para receber conteúdos, mas também para buscar contradições, que não esperam apenas respostas certas, mas que incentivam a análise crítica de seu próprio discurso, para encontrar o que está errado. Do ponto de vista didático, é importante ressaltar que a atitude de “procurar mentiras” é um recurso que dá a alunas e alunos um papel ativo e que, ao mesmo tempo, exige uma compreensão melhor do que é “certo”, o que deve motivar o desejo de aprender.
Shaw apresentou essa simpática e profunda sugestão em 1921. Um século mais tarde, na era dos memes e das fake news, a capacidade de reconhecer as mentiras por trás de doutrinas e de propagandas enganosas não apenas continua sendo fundamental, mas torna-se uma competência básica para a formação do consumidor e do cidadão consciente. Paradoxalmente, não é ou é pouco trabalhada em nossas escolas.
Ao defender as virtudes pedagógicas de pequenas mentiras premeditadas, Bernard Shaw nos dá uma idéia de grande importância e atualidade, e para a qual qualquer professor(a), de qualquer série e matéria, pode encontrar aplicações práticas.
“Micro posfácio” – O pequeno artigo acima não aborda uma questão importante: é evidente que existe um grande potencial de expansão na reflexão de Bernard Shaw, se pensarmos em tornar a “criação de mentiras” um desafio proposto, com fins pedagógicos, a crianças e jovens, em nossas escolas. Isso é discutido por mim em uma das 20 discussões apresentadas no site de que esse blog faz parte, e que fala sobre o desenvolvimento da imaginação infantil. Caso tenha curiosidade, aqui está o link para a “Discussão 16” da História do Pequeno Reino:
Gostei ! Nunca pensei nisso. Mas tem sentido. Obrigada. Bj
Beijo Malalinha! 🙂