Pequeno Reino – Artigo 6

 A HISTÓRIA DO PEQUENO REINO – Texto complementar 6

OS NOVOS ARTEFATOS INFORMATIZADOS NAS MÃOS DE CADA APRENDIZ E AS CHANCES DE UMA ESCOLA, FINALMENTE, MAIS LEGAL.

A leitura dessa artigo também é indicada como complemento à DISCUSSÃO 19. Mas enquanto o texto “Pequeno Reino – Artigo 5” fala sobre aspectos mais tradicionais do ensino escolar, esse artigo enfoca o tremendo potencial das novas tecnologias para desenvolvermos formas de “fazer escola” que, apesar de “revolucionárias”, são semelhantes ás propostas que eram feitas, nas primeiras décadas do século XX, por educadores como Anísio Teixeira e Cecília Meireles.

“Claro que eu sei pra que serve esse celular, pai: é pra tirar fotografias da gente!” (Maria Eduarda Cardoso, em 2008, aos 2  anos e 10 meses)

Em pleno século XXI, será que a escola já está usando os computadores com eficiência? Ou será que eles ainda correm o risco de ter o mesmo destino da televisão? Muitos de nós lembram-se de como, vista inicialmente como capaz de revolucionar nossas escolas, a TV acabou engolida pelo conservadorismo didático, e foi completamente “fagocitada” pela inércia de uma instituição que provou e continua comprovando sua incapacidade de transformar-se.

Essa é uma pergunta importante, pois vivemos um momento em que as tendências de evolução das tecnologias informatizadas abrem novas perspectivas para uma renovação da escola. Esse potencial existe porque a aceleração das inovações leva à multiplicação de novos artefatos informatizados mais potentes, completos e individualizados.

Dos laptops mais baratos aos telefones que fazem de tudo, surgem instrumentos, cada vez mais ao nosso alcance, que abrem novas perspectivas para a pesquisa, o transporte e consumo de bens culturais, a troca de mensagens e para atividades de autoria de todos os tipos. Resta saber a escola saberá explorar essas possibilidades…

A reflexão sobre o aproveitamento dos computadores e dos novos artefatos informatizados não pode ignorar a situação atual da escola. A universalização do ensino, as crises econômicas e ambientais, a influência crescente das mídias, a perda de autoridade dos pais estão entre os fatores que deram origem a uma crise de legitimidade da instituição. Em uma frase lapidar, Perrenoud resume bem o que acontece:

Pede-se à escola que instrua uma juventude cuja adesão ao projeto de escolarização não está mais garantida.[i]

A incorporação dos computadores à escola deve ser repensada a partir desse aumento de suas possibilidades de uso por cada aluno e aluna. Talvez, nos próximos anos, possamos comparar escolas em que os computadores continuarem em laboratórios a uma escola que, há algumas décadas atrás, tivesse apenas algumas dúzias de lápis e canetas, reunidos e utilizados em uma única sala, visitada periodicamente por cada uma das suas turmas…

Mas como explorar os novos artefatos? De maneira extremante genérica, podemos esboçar dois grandes objetivos que deveriam orientar a expansão do uso de novas tecnologias em nossas escolas:

– Individualização e multiplicação dos percursos de aprendizagem e dos meios de expressão:

Em um mundo no qual o acesso ilimitado aos mais diversos conteúdos se democratiza, selecionar, editar, reconhecer o que é ou não confiável torna-se fundamental. Não é mais apenas o professor que exerce a função de ensinar e, nas escolas, cada estudante tem espaço para dividir seus conhecimentos, suas produções e suas preferências com os outros. Os artefatos informatizados somam-se a objetos como canetas, pincéis, fantasias e instrumentos musicais, para compor um conjunto de recursos que são empregados nas mais diversas situações envolvendo tanto a expressão artística quanto a pesquisa, o debate e a (re)interpretação dos eventos do mundo.

– Interações e abertura de novos horizontes, em todas as escolas e escalas:

Dos processos internos a cada turma e a cada escola – que deve funcionar como uma comunidade em miniatura – às interações com a comunidade, com outras escolas e com outros lugares, uma escola deve ser um ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade, como já pedia, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. E, de fato, os computadores permitem dar uma nova dimensão às idéias de toda a tradição escolanovista – jamais colocadas em prática em escala significativa, é importante lembrar.[ii] O seu aproveitamento viabiliza a abertura de novos horizontes, pesquisas e diálogos com qualquer lugar, e facilita uma formação que busca, também, a construção da cidadania planetária.

Com a ajuda dos computadores e das novas levas de artefatos que surgirão nos próximos anos, será mais fácil criarmos uma rede escolar mais legal – que abrirá cada vez mais espaço para a interação e o imprevisto, para atividades de pesquisa, autoria, para processos de auto-aprendizagem e auto-avaliação. Portanto, em melhores condições de recuperar uma legitimidade e uma relevância que vêm sendo erodidas pelas transformações da sociedade – somadas ao imobilismo de uma instituição que tem grandes dificuldades para repensar suas formas convencionais de se organizar, de ensinar e de avaliar.


Notas:

[i]  Philippe Perrenoud. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999, página 15.

[ii] Como diz de forma conclusiva Perrenoud: O paradoxo é que denunciam-se os estragos de uma revolução pedagógica que jamais aconteceu ao nível dos fatos. Traduzido de: Philippe Perrenoud. Métier d’élève et sens du travail scolaire. Paris, ESF, 2a ed., 1995. página 17.